Crônicas





Vida e morte

  

Acabo de chegar de um velório. Muitas flores, muitas velas, muitas lágrimas. Caixão envernizado, reluzente. O defunto coberto de rosas claras. Tule branco por cima. Um grande crucifixo prateado à cabeceira. À direita, uma espécie de colcha branca estendida verticalmente até o chão. Nela, uma bela aplicação em tecido amarelo, com alguns dizeres bíblicos bordados em tom mais escuro. Ao lado da porta, num suporte envolto em toalha de renda branca, um livro de presença. A pedidos, assino. Tudo muito organizado, impecável. Cenário digno de retrato para um belo álbum de recordações.

No trajeto de volta para casa, o reforço de uma antiga convicção. Quero, necessito e agradeço o amor, a atenção, o carinho, a consideração, a compreensão e a amizade das pessoas, agora. Proíbo, antecipadamente, qualquer tipo de homenagem póstuma. Quando eu me for, seja para onde for, quero ir sozinha, sem alarde, sem comunicados, sem viagens apressadas, sem despedidas, sem lágrimas —falsas ou verdadeiras — e, principalmente, sem companhia. Solitária como sou agora.



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As observações de Andreza


Era uma vez uma menina chamada Andreza. Ela era a caçula da casa. Renato e Julliana eram mais velhos do que ela.
Quando Andreza nasceu, sua mãe passava por problemas sérios no trabalho. Por isso, fazia tudo como se fosse um robô, até mesmo cuidar de Andreza.
– Hora do banho!
Mamãe dava banho em Andreza, deixava-a limpinha e perfumada e colocava-a no berço novamente.
Hora do suco!
Mamãe preparava o suco, tirava Andreza do berço, aconchegava-a em seus braços, dava-lhe o suco e a devolvia para o berço.
Hora da papinha!
Berço!
Trocar a fralda!
Berço!
Dar mamadeira!
Berço!
Dar o chazinho!
Berço!
Andreza tossia:
Verificar a temperatura! Ah, está normal!
Berço!
Mamadeira outra vez!
Berço!
E, assim, os dias passavam. A sorte de mamãe era que Andreza era um bebê muito bonzinho.
[...]
Andreza cresceu e se tornou uma menina muito curiosa. Abria, mexia e remexia em todas as portas e gavetas de todos os armários da casa. Um dia, Andreza encontrou vários álbuns de fotografias. Daí em diante, ela observava aquelas fotografias quase todos os dias. E, então, fazia muitas perguntas para sua mãe.
Mãe, quem é este bebê?
É o Renato, Andreza.
Mãe, por que ele está trepado na estante?
Porque ele era muito levado, Andreza.
E nesta outra foto, quem é, mãe?
É a Julliana, Andreza.
Mãe, por que ela estava sozinha no corredor?
Porque, naquela época, ela estava aprendendo a andar, Andreza.
Mãe, e eu, o que eu fazia quando era bebê?
Não me lembro, Andreza. Acho que você era tão boazinha que eu não precisava me preocupar com suas traquinagens.
Mas, mãe, o Renato era levado, a Julliana fazia gracinhas e eu não fazia nada?
Claro que fazia, Andreza. Eu é que não me lembro agora.
Isso quer dizer que você gosta menos de mim, né, mãe?
Claro que não, Andreza! De onde você tirou essa idéia? Gosto muito de você também.
Gosta nada, mãe. Se você gostasse mesmo, se lembraria de alguma coisa de quando eu era bebê.
Deixe de bobagem, minha filha! É que, às vezes, a memória da gente esquece as coisas, é só isso.
Só???!!!...


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A Tenebrosa Professora Doutora Bruxorror

– Atenção!! Vamos aprender a fazer uma  dissertação pelo método  instantâneo, ou seja, a jato!!
– Primeiramente as chuvas de ideias, logo após o esquema e, somente depois, comecem a redigir!!
– Não se esqueçam: introdução, desenvolvimento e conclusão!!
– Quero essa dissertação distribuída em quatro parágrafos com oito linhas cada um!! Vocês terão vinte minutos para fazê-la!!
– Mas, Josefa, você está escrevendo sem antes ter feito o esquema que mandei!! Com certeza terá problemas de coesão e coerência textual!! Ninguém  consegue fazer uma boa dissertação sem seguir as etapas que listei... a não ser algumas poucas pessoas que os elaboram mentalmente!!...  (É óbvio que este não é o caso dela, ora essa!! Que petulância!! Uma “alunazinha” de uma faculdade interiorana querendo me desafiar, pois sim!! Deixe-a comigo!!...)
 No outro dia pela manhã ...
– Hum! Conhecimento empírico!
– Josefa, você consegue utilizar este termo a essa hora da manhã?! Lembre-se de que você tem sérios problemas de redação!! E a Josefa, que havia aprendido a redigir ainda no “curso ginasial”, com a ajuda de excelentes  professores, e que sempre havia se saído muito bem nas inúmeras dissertações dos vários exames e concursos que prestou, entrou em pânico diante da recém conhecida e pedante Professora Doutora Bruxorror..
– Então, as notas de Josefa foram só diminuindo, até chegarem a muito abaixo da média. E a autoestima dela, que já não andava lá essas coisas, foi baixando junto com suas avaliações, a ponto de deixar Josefa totalmente amedrontada diante da palavra  “DISSERTAÇÃO”.
 Ah, que alívio Josefa sentiu quando a tal Professora Doutora Bruxorror foi embora de vez!!!
 Depois disso, Josefa, refletiu muito e lembrou-se de seu reconhecido desempenho estudantil  e profissional, ao longo de sua  já não tão jovem vida, e, à luz da razão, optou por jogar no lixo todas as teorias e lembranças da tenebrosa Professora Doutora Bruxorror, que provavelmente continua a satisfazer seu ego, por aí afora, enquanto tortura outros alunos, novas vítimas de seu tenebroso sadismo.


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